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terça-feira, 31 de março de 2020

Sortilégio

Por Rogério Fernandes Lemes
(Foto: Kevin Gill (CC BY-SA 2.0))

Aproximar-se da origem é vestir-se de pureza;
é entornar-se para o nada e ver-se verbo, ação.
O portal da origem é diminuto ante à imensidão que o precede.
O oposto de originar-se é compreender-se síntese,
resultado de algo maior e excelso.
É na origem o revés de toda palavra.
Quando falo, existo para um montão de coisas,
tão ensoberbadas que transgridem a lógica primeira.
São tão coisa toda vez que me vejo alguma coisa.
Em disparada rumo ao nada, que me espera,
Invento ser qualquer coisa, ignoto, soberbo,
despido de compreensão de que, vestir-se de pureza,
é aproximar-me da origem de quem sou: coisa nenhuma,
além do belo e do eterno em eterna conexão com tudo, com todos,
com as coisas em disparada rumo ao nada;
resultado de algo maior, excelso.
Esse sou eu na origem de tudo: coisa alguma
além do silêncio cheio de nada e um magistral vazio.
Eis o encanto da dádiva humana.
A magia de passageiras certezas cheias de nada.
Vozes fascinadas pela ilusão do agora.
Não passam de memórias adiadas sem aproximação,
sem entendimento de que somos instantes,
eternos para nós mesmos.
A magia, o encanto, o sortilégio da compreensão
de que somos parte de tudo e de todos;
de que estrelas correm em nossas veias,
nos aproxima da origem, da dimensão que a precede...
Do sortilégio em perceber-se completamente imersos
no silêncio e cheios de nada.
Navegantes de um colossal e magistral vazio.

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