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Por Rogério Fernandes Lemes (*)
Quando o sol achatava as sombras debaixo dos andantes, subitamente, Polímetrus percebeu um recorte de papel empoeirado debaixo de uma pedra. Se fosse como os demais andantes, certamente não o perceberia. Afinal, aquele recorte de papel empoeirado fora escondido de propósito para que alguém, paramentado de inquietude voltasse seus olhos para as “coisinhas do chão”. Lentamente abaixou-se. Removeu a pedra. Apoderou-se daquilo que, em instante, ser-lhe-ia revelador.
Como é belo o instante em que uma partícula retorna ao todo; o momento em que a busca contempla suas respostas; o instante exato em que há consciência e confirmação do propósito a que o encontro fora criado.
Os olhos de Polímetrus brilharam ante ao que lera. Tão resumido – pensou – porém, tão devastador; um dínamo disfarçado de pedaço de papel escondido embaixo daquela pedra. Segurou-o firmemente em suas mãos aquele recorte de papel empoeirado, amarelado pelo tempo, esquecido e ignorado pela altivez dos andantes que por ali passavam, tão ocupados e incapazes de surpreenderem-se com as “coisinhas do chão”.
Novamente e, agora, com mais atenção e espírito aberto, lera aquelas únicas duas linhas: “Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho”. As palavras de Fernando Pessoa fervilhavam em sua mente. A solidão, tragédia humana, poderia ser contemplada de múltiplos ângulos.
“Tão abominados pelo homem são as novidades e o deserto”, já dizia Borges em seu O Aleph. E enquanto essa novidade de não se perceber perdurar, os homens serão como os marinheiros de Ulisses: felizes em suas poças de lama despreocupados com a dor insuportável em “ser humano”.
Aqueles que, como Sócrates, queimaram seus olhos ante à luz da manifestação real das coisas e que conseguiram transpor os limites de suas cavernas, ficam chocados, incrédulos e extasiados com o que descobrem. Contemplam seus paraísos artificiais tornarem-se em desertos, frutíferos para uns e mortais para a maioria dos andantes.
“É a minha maneira de estar sozinho”. Agora tudo fazia sentido. As respostas estavam no chão e bastava apenas um tropeço, uma inquietude, ou mesmo uma contravenção à uniformidade dos desatentos.
Não importava mais quem havia escondido aquele recorte de papel empoeirado debaixo daquela pedra. Importava, apenas, que aquele recorte o havia encontrado.
(*) o Autor é o criador da Revista Criticartes; é Membro da Academia Douradense de Letras e da Academia de Letras do Brasil/Seccional MS.
Que texto mais lindo. Tão profundo, tão nosso, foi escrito com propósitos e de graça vem nos fortalecer neste dia em que ele me achou.
ResponderExcluirAbraçoSys
Fico feliz quando leio e vejo a cultura do criador do texto. Parabéns Rogério. És escritor com mérito!
ResponderExcluirBaita texto. Perfeito nas linhas e entrelinhas.
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