quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Aos policiais do Brasil

Por Rogério Fernandes Lemes*

Embora seja um artigo opinião serei o mais honesto possível com meus leitores e com os raros heróis, os policiais brasileiros, a quem dedico este texto. Raros, não porque sejam poucos, afinal segundo o IBGE, em 2014, o Brasil tinha 542.890 policiais somando-se os militares e civis. O efetivo das Polícias Militares era de 425.248 militares, sendo 383.410 homens e 41.838 mulheres e das Polícias Civis somavam 117.642 servidores, sendo 86.637 homens e 31.005 mulheres. Em 2009, o efetivo total do Exército Brasileiro era de 222.151 militares, pouco mais da metade dos policiais militares brasileiros.
Esse número de policiais diminui a cada dia; a cada operação nos Estados, nas cidades... E a cada plantão policial. O jornal O Globo divulgou em sua edição do dia 13 de julho de 2016 que apenas no Estado do Rio de Janeiro foram 106 policiais assassinados (90 militares e 16 civis) e 556 feridos em combate. Entre os anos de 1994 a 2015, esses números são aterradores. Foram assassinados 3.087 policiais militares e civis e 13.735 feridos.
São números mais do que suficientes para a propositura de políticas públicas de segurança de enfrentamento e combate do crime organizado. No entanto, poucos projetos de Lei são elaborados ou levados a sério pelo Poder Legislativo brasileiro. As denúncias de abuso de autoridade no Brasil são milhares; o sensacionalismo e a espetacularização da violência são prioridades das manchetes e reportagens; programas inteiros dedicados em entrevistas de assassinos e criminosos com audiência altíssima segundo o Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística.
Recentemente uma astuta tentativa de desmoralizar os policiais brasileiros causou reações instantâneas nas redes sociais. Uma das maiores emissoras de canal aberto do Brasil exibiu, no período matutino, um dilema moral enfrentado pela classe médica: a prioridade de atendimento a um paciente. Seria relevante essa discussão se fosse algo novo e não compreendido pelos brasileiros. A forma como a enquete foi apresentada e o resultado, quase absoluto da preferência dos participantes, reforçou o olhar indiferente dos governos e da sociedade em relação aos seus defensores constitucionais, bem como, a triste estatística dos heróis que tombaram defendendo-os. Os policiais do Brasil foram aviltados em rede nacional.
Nos grupos policiais que faço parte, a indignação e a perplexidade davam o tom das mais acaloradas discussões. Li o artigo “Policiais invertendo valores” escrito pelo Sargento Lago, ex-policial da ROTA, jornalista diplomado, aposentado pela PMESP desde 2009 e autor do livro “Papa Mike: A realidade do policial militar”. Em uma conversa por telefone, ele me disse que recebeu alguns comentários negativos questionando-o sobre seu real posicionamento em defesa dos policiais.
Dialogando com policiais militares de alguns Estados brasileiros percebi um ponto em comum em seus discursos, que eles chamam de “desunião da classe”. A dissidência é um fator positivo quando tem por objetivo complementar, esclarecer ou fortalecer um entendimento visando melhorias para o grupo. Um relato chamou a atenção. Um policial militar de Goiás desabafou: “você precisa ver como os polícias aqui de Minas olham pra gente”.
A dinâmica social do consumo tende a classificar as relações a partir do ‘ter’, isto é, o status supervalorizado hierarquiza-se, naturalmente, em uma evidente reprodução desse discurso econômico. A ideia etnocêntrica fundamenta-se em uma falsa premissa, a de que quem tem o melhor salário é melhor. Esta compreensão da realidade desqualifica ou ignora o fato de que, para o crime organizado, não importa o salário, ou o grupo especializado que o policial pertença; sua unidade federativa, graduação ou patente. O fato de ser um agente da Lei coloca a figura do policial, seja de qual força ele pertença, em uma condição natural de conflito e embate.
As polícias do Brasil não são violentas. Elas respondem à altura a injusta agressão daqueles que escolheram entram em conflito com a Lei; daqueles que são defendidos em rede nacional de televisão. O número de policiais mortos no Brasil tem importância para os Conselhos e Comissões de Direitos Humanos? 

*O autor é policial militar na PMMS; bacharel em Ciências Sociais pela UFGD; atua na Assessoria de Comunicação do 3º BPM em Dourados.

Um comentário:

  1. Excelente artigo, meu companheiro de farda e ideais. Nossa realidade é cruel dos dois pontos de vista: interno e externo. Queremos o respeito da sociedade cometendo erros que não nos compete e a classe fortalecida sem nos unirmos.

    O encontro, ainda que virtual, de idealistas e comprometidos com mudança de status dos nossos policiais brasileiros certamente promoverá alterações significativas para o bem comum. Eu creio nessa mudança e ela já está acontecendo. Para apressá-la, precisamos apenas quebrar a barreira das vaidades e, ao invés de nos identificarmos como sendo de uma determinada unidade ou estado, apresentarmos apenas como profissionais de segurança pública. Daí as atividades dos federais, militares e civis estaduais e, porque não dizer, municipais ganharão uma única identidade. Com isso estaremos fortalecidos para lutarmos pelo mesmo objetivo.

    ResponderExcluir