sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Entrevista com Cléo Busatto

Por Rogério Fernandes Lemes
“a artista da palavra”
Foto: Arquivo pessoal.
CriticArtes: Primeiramente Cléo, se me permite assim chamá-la, em nome da Revista Criticartes e de seus leitores, gostaríamos de te agradecer por ter aceitado nos conceder esta entrevista. Muito obrigado. Uma pergunta que não pode faltar em toda entrevista. Quem é Cléo Busatto? E por que o título de “a artista da palavra”?

Cléo Busatto: Cléo Busatto é uma encantada pela vida e pela sua vocação, a lida com a palavra. Eu elegi a palavra como ponte de ligação com o mundo. Sou uma contadora de histórias. Eu as materializo por meio da voz, da escrita e dos 0 e 1 do meio digital. Eu e a palavra sempre fomos boas amigas. Comecei a falar antes de ter um ano. Li aos três anos e meio. Convivi com alguns contadores na infância, como minha tia. Ela nos encantava e assombrava, nas noites que dormíamos na sua casa. Venho de uma cultura rural, onde a oralidade é soberana. Eu cresci ouvindo as pessoas contarem histórias. As mulheres que se avizinhavam da minha casa de infância, fossem parentes ou não traziam histórias das suas casas e da sua comunidade. Contavam sobre a vida e a morte. Sobre o amor, filhos. Contavam sobre cheiros e sabores. Já os homens que circulavam pelo comércio do meu pai, traziam histórias masculinas. Narravam feitos heroicos, brigas, disputas, nelas estavam presente a coragem, valentia, ousadia. Isso foi muito significativo na minha formação. Veja só, a palavra sempre esteve presente. Nasci sobre o signo de Mercúrio, o mensageiro dos deuses, a personificação da comunicação. Eu não poderia ser outra coisa senão uma artista, ou quem sabe, uma artesã da palavra.

CriticArtes: Você tem um currículo brilhante, sobretudo, como narradora oral atingindo um público de mais de cem mil pessoas. Qual a importância dessa modalidade artística na formação de crianças e adolescentes?

Cléo Busatto: As histórias são necessárias à formação do ser humano. Histórias são seres fundantes que carregam inúmeras possibilidades. Por meio da fantasia as histórias promovem o reconhecimento dos afetos, despertam as potencialidades que se encontram caladas dentro de nós. A partir delas podemos nos reconhecer, nos identificar, nos situar no mundo. E a narração oral, por meio da voz do contador de histórias, que é o porta-voz dos sentidos, dos significados, é uma forma de fazer com que as histórias cheguem até nós, de um jeito poético, mítico. O tempo das histórias é circular e contínuo, contrapondo-se ao ritmo estabelecido pela contemporaneidade, fragmentado e disperso. 
Quando se conta uma história da tradição, a voz do narrador encurta a distância entre os povos. Ao lançar uma história deste gênero aos ouvintes, ativamos o pensamento mítico, a alma do mundo, e iniciamos a construção de uma cultura de paz. 

CriticArtes: Você caminha entre a produção teórica e a artística, sendo mais de vinte obras publicadas. Suas obras artísticas seriam uma forma de compilação da sua produção teórica?

Cléo Busatto: Não. Minha escrita ficcional não faz conexão com a produção teórica, nem poderia. São olhares distintos.

CriticArtes: Faremos um exercício mental. Suponhamos que daqui cinquenta anos sua obra seja objeto de estudo de mestrandos e doutorandos. Para que não cometessem equívocos ao estudá-la, qual seria o fio condutor para uma compreensão acertada de sua obra como um todo?

Cléo Busatto: Pergunta difícil. Eu deixarei esta questão para que os pesquisadores descubram estas pontas e puxem o fio verdadeiro para tecer um olhar sobre a minha obra.

CriticArtes: Quantos livros publicados? Qual é o de sua preferência e por quê?

Cléo Busatto: 22 livros. Sem preferências. Sabe aquela história da gente perguntar à mãe qual o seu filho preferido? Ela vai dizer que não há preferido. Digo o mesmo, cada um tem seu encanto, por que todos revelam meu espírito. Cada um no seu tempo.

CriticArtes: Seu último livro “A fofa do terceiro andar” é uma obra voltada para qual público? Qual a mensagem que a Fofa apresenta e quais os temas tratados?

Cléo Busatto: Em A Fofa do Terceiro Andar (Galera Júnior) a personagem é adolescente, mas o livro toca qualquer mulher que tenha dentro de si uma adolescente, ainda que não despertada ou já adormecida. Em uma narrativa que se assemelha a uma conversa íntima, o livro apresenta o diário de Ana, uma jovem perdida em meio a relacionamentos, problemas de autoestima e bullying. Aos poucos a personagem redescobre o mundo à sua volta, livrando-se de excessos e preconceitos. Adolescência é um tempo de dúvidas, coragem e desafios, e estas características tão marcantes desta fase da vida é o fio condutor do romance. O livro é uma espécie de escrita de iniciação, uma conversa por meio da qual a personagem vai se vendo e lendo o mundo à sua volta. Enquanto escrevia, trouxe minha adolescente à tona e entendi melhor esta fase, onde a coragem, a ousadia e as dúvidas estão sempre presentes na autora.

CriticArtes: Conte-nos sobre as oficinas e palestras que você ministra.

Cléo Busatto: Este segmento faz parte da atuação do meu ser educadora. Tanto as palestras quanto as oficinas têm a palavra como fio condutor. Veja os temas: 1. A leitura literária - promoção e formação de mediadores. Contar e encantar – pequenos segredos da narrativa. A arte de contar história no século XXI. Um olhar transdisciplinar para a arte de contar histórias. A oralidade nos anos iniciais. A literatura é o ponto de partida para estas reflexões. Considero que o texto literário, com seu poder simbólico, alimenta o imaginário do sujeito e favorece o acesso ao mundo interno do sujeito e suas representações. Em todas as ações refletimos sobre leitura e construção dos sentidos. Sobre os caminhos percorridos pela arte de contar histórias, da beira do fogo ao teclado do computador. Pensamos como as histórias influem na formação do ser humano e atuam como um treino dos sentidos e sentimentos. O que a palavra diz sobre a arte de nos tornarmos humanos. 

CriticArtes: Há poucos dias você postou no Facebook sua indignação com a internet: a “terra de ninguém”, nas suas palavras. Fale um pouco sobre os impactos da internet na literatura brasileira e de que forma ela pode ser uma aliada, tanto para autores, quanto para os leitores.

Cléo Busatto: Quando digo que internet virou uma terra de ninguém, me refiro à falta de ética que se procede na rede. Apropriações indevidas e divulgação do texto, como se ele fosse uma produção espontânea, alheia a um criador que pensou horas sobre a sua produção. Nada contra as linguagens e os suportes, mas tudo contra a maneira com que nos apropriamos deles. As tecnologias de informação e comunicação são importantes e vieram para ficar. Através delas acessamos o conteúdo do mundo. A pergunta é: que conteúdo é este? Não podemos perder os critérios que qualificam nossa busca. Com a literatura não é diferente. Os aplicativos disponíveis para divulgar aquilo que se produz são muitos, mas a qualidade do que se produz é baixa. Vivemos uma overdose de produção literária. Equivocamo-nos ao pensar que qualquer texto publicado num wattpad (a maior comunidade de leitores e escritores do mundo), por exemplo, tem literariedade. Por outro lado, as redes sociais são ferramentas valiosas para o autor se comunicar com o leitor. Elas nos permitem retornos imediatos para analisar a recepção do texto. As conversas praticadas nos blogs literários, com leitores escrevendo ou falando suas opiniões, discutindo o texto são saudáveis e necessárias. Creio que isto pode enriquecer a produção do autor, por que o leitor ficou próximo dele. Não precisamos mais esperar pelos eventos literários para encontrá-lo. Diariamente eu converso com inúmeros leitores, que apresentam suas opiniões sobre o que escrevo. Isto é um norte para mim. 

CriticArtes: Você começou a escrever muito jovem e não parou mais. Quais os projetos para o futuro dentro da literatura?

Cléo Busatto: Escrever, escrever e escrever. Ficção.

CriticArtes: Qual sua concepção sobre a publicação digital? Teria o mesmo valor de uma publicação tradicional?

Cléo Busatto: Se tiver qualidade sim. Esta pergunta vai ao encontro de uma pergunta acima. Não vejo conflito com o meio e sim com a qualidade. Os aplicativos disponíveis para divulgar aquilo que se produz são muitos, mas a qualidade do que se produz é baixa. Vivemos uma overdose de produção literária. Equivocamo-nos ao pensar que qualquer texto publicado num wattpad, por exemplo, tem literariedade. 

CriticArtes: A criação de seus personagens tem influência a partir de suas experiências pessoais? No caso da Fofa do terceiro andar, é possível conhecermos um pouco da autora através da leitura do livro?

Cléo Busatto: Toda a minha obra está fundada na minha experiência, ainda que eu não relate a minha experiência. Ou seja, eu não posso falar daquilo que não conheço, logo falo do que vivi, senti. Estes afetos, sensações, descobertas são resultantes de vivências e se transformam em hormônios para os personagens. Seguindo este raciocínio, sempre se conhece um pouco do autor através da sua obra, por que ela carrega traços daquilo que ele é; do seu olhar para o mundo. 

CriticArtes: Como a Fofa do terceiro andar foi recebida entre seus leitores? Acompanhamos, em sua página pessoal no Facebook, alguns comentários elogiando o livro. Você tem recebido depoimentos negativos? E como você administra a crítica negativa?

Cléo Busatto: A Fofa está sendo uma boa surpresa. A aceitação do livro por leitores de 8 a 90, literalmente, me faz acreditar que foi um acerto. Ana é uma personagem, complexa, ampla, contraditória, verdadeira e tem provocado boas críticas. Também li, uma ou duas, que não se identificaram. Paciência. É a opinião do leitor. Não escrevo para agradar o outro, mas para me sentir viva. Escrever é minha cura. Por meio da escritura me revelo; me elaboro. E aqui reside uma identificação com Ana, de A Fofa do Terceiro Andar. Eu tenho 37 cadernos de 200 folhas manuscritos com memórias, sonhos e “pirações”. Brinco, que resolvi parodiar C. G. Jung e o seu “Memória, sonhos e reflexões”.

CriticArtes: Todo autor se depara, inevitavelmente, com a finitude humana. Qual a sua compreensão sobre a morte e a imortalidade de sua obra?

Cléo Busatto: Passei a me dar bem com a morte, quando entendi que ela e a condição da vida. A morte está presente em algumas obras, como “Pedro e o Cruzeiro do Sul” e a “A Fofa do Terceiro Andar”. Algumas pessoas questionaram e ficaram chocadas pelo fato de eu matar personagens. Respondi que a literatura nos ensina e, neste caso, nos faz aceitar a finitude. Já a morte das obras não aceito bem. Sou totalmente contra descatalogar livro. Tenho vivido isto e ando brava. Livro não é um objeto que se usa e joga fora depois de alguns anos. Um bom livro é para sempre. Então, a imortalidade da obra se dará por este leitor que tenha a oportunidade de ter acesso a ela enquanto ela existe. Um dia destes uma leitora da Fofa descobriu que eu sou a autora do Dorminhoco, livro que ela leu anos atrás, no primário. Ficou super emocionada. Não é lindo? Aí, quem ficou emocionada fui eu. Isto é imortalidade da obra.

CriticArtes: Para finalizarmos, o que seria preciso para que o Brasil se torne, a exemplo de países europeus, um grande consumidor de livros?

Cléo Busatto: Para que o Brasil seja um país de leitores deve-se aumentar a divulgação e a promoção do livro, com ações diversificadas, como trabalhos de mediação de leitura na escola, na biblioteca, em casa. Com eventos literários constantes. Aproximação do leitor com o autor e círculo produtor do livro. Acesso ao livro, tanto no sentido físico – mais bibliotecas e lugares onde se possa ler, como econômico, barateando custos. Ler ainda não faz parte do imaginário cultural do brasileiro e, nós, leitores, escritores e mediadores temos um papel importante neste caminho. Fazer com que o livro se torne um objeto de desejo. E mais, devemos fomentar a boa literatura. Não podemos cair na armadilha que serve ler qualquer coisa. A literatura amplia nossa visão do mundo e nos torna pessoas melhores. Mas para isso precisamos de boas histórias, de boa literatura.

CriticArtes: Cléo Busatto, muito obrigado por sua contribuição no fortalecimento da literatura brasileira. Tenha a Revista CriticArtes como uma parceira na divulgação de sua obra literária. Por gentileza, suas considerações finais.

Cléo Busatto: Querido Rogério, foi um prazer dialogar com você neste bate-papo inteligente e desafiador. Abraço e carinho, Cléo.

Mais informações sobre Cléo Busatto:
http://cleobusatto.blogspot.com.br/
http://cleobusatto.com.br/

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