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A ficção literária apresenta-se como instrumento na compreensão da realidade, na medida em que deforma suas limitações cotidianas. A produção ficcional não pode ser compreendida como uma mentira, mas como uma distorção da própria realidade ao trabalhar com fatos imaginários. Em outras palavras, a ficção consolida-se na prevalência de fatos imaginários que prevalecem sobre a observação.
Quando uma pessoa faz a opção por ler um romance, por exemplo, ela tem consciência de que interage, fundamentalmente, com fatos imaginários e não fatos históricos. Essa percepção prévia, de que uma história é o resultado da imaginação de alguém sobre suas observações da realidade e suas limitações, torna-se irrelevante do ponto de vista do juízo de valor. A pessoa não está preocupada se os fatos narrados pelo autor são verdadeiros ou não, mas sim, na possibilidade de uma percepção diferente da realidade; em uma possível compreensão da própria condição humana; ou, simplesmente, identificar-se com aquilo que sente, ainda que não possa manifestar publicamente.
A ficção é o auxílio necessário para que um escritor não tenha limites. A realidade, sim, tem seus limites e, por vezes, frustrantes. A ficção é uma espécie de “imaginação sociológica” proposta por Wright Mills e que, nada mais é, do que um recurso que o sociólogo utiliza para pensar os fatos históricos e os fenômenos sociais e depois voltar à realidade. Para o escritor, a ficção é o recurso ideal na sua produção literária.
Nessa compreensão da ficção como um recurso de distorção da realidade limitada não há mentira. Não a que se falar em mentira quando uma obra é apresentada aos leitores como ficção, fruto da imaginação. A proposta de um escritor em contar uma história não significa que ele falará sobre verdades universais, mas uma caricaturização da realidade que, se bem compreendida, permite-nos pensar e dialogar sobre aspectos essenciais da condição humana.
Para Mario Vargas Llosa, nas ficções não há mentira alguma, porque a ficção não engana o leitor que sabe, previamente, que sua leitura é uma invenção literária que teve como ponto de partida um evento da realidade, mas que foram engenhosamente transformados mediante acréscimos, exageros ou supressões. Verdades e mentiras coabitam um mesmo universo.
Quando pensamos no conto “O Gato Preto” de Edgar Allan Poe, por exemplo, temos ciência de que é uma história inventada, porém, que retrata comportamentos, sensações e percepções subjetivas do ser humano. Essas deformações da realidade constituem-se como uma das formas de compreensão melhor da realidade. Certos eventos somente serão possíveis através da ficção. Portanto, eis a riqueza e grandeza da ficção literária como um instrumento para conhecer mais a vida ou mesmo entender melhor as relações humanas.
Diferentemente da História ou da Sociologia, a ficção não tem obrigação de dizer a verdade histórica, exceto a verdade literária, essa sim capaz de persuadir e encantar o leitor levando-o a uma profunda reflexão de sua condição e de seu posicionamento no mundo.
A brevidade da vida, por si só, é um fator que limita o ser humano. Ainda que a realidade seja uma bolha que aprisiona as pessoas e seus sonhos, a ficção é mais que uma válvula de escape, é uma espécie quase divina de salvação.
Rogério Fernandes Lemes
Escritor e Vice-Presidente da UBE-MS
Palestrante da FliBonito 2017
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