quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Tutela Penal: uma necessidade contra o crime de biopirataria no Brasil

Bianca Marafiga
Dourados, MS, Brasil
@: biancamarafiga@hotmail.com

A biopirataria conceitua-se da apropriação não autorizada do patrimônio genético de uma região. Podendo englobar a exploração e o comercio ilegal de madeira, tráfico de animais e plantas silvestres. Um problema que assola os países biodiversos, inclusive o Brasil, que possui uma das maiores biodiversidades mundiais e populações tradicionais (indígenas e ribeirinhos) detentores de diversos conhecimentos tradicionais que aliados à biodiversidade atraem o interesse de nações desenvolvidas.
Embora a biopirataria seja uma prática decorrente desde a época colonial, foi a partir das últimas décadas que o tema vem alavancando discussões de cunho socioambientais mais significativos. Principalmente devido à evolução da biotecnologia e com isso a acessibilidade de registros relacionados às marcas e patentes de âmbito internacionais.
Desde os primórdios identifica-se que essa prática ilegal no Brasil está intimamente relacionada à fauna e/ou a flora. Como exemplo a extração do pau Brasil e o contrabando de sementes desde a época da colonização. Citaremos alguns dos principais casos de biopirataria no Brasil: 

I Exploração do Látex

Caso extremamente notório de exploração da biodiversidade, foi a extração do látex da seringueira, Hevea brasiliensi, e o contrabando de aproximadamente 70 mil sementes da espécie, que foram enviadas para a Inglaterra pelo inglês Henry Wickma – “pai” da Biopirataria. Tal atividade fez com que as colônias inglesas tornassem-se as maiores produtoras de látex do mundo no início do século passado. Este caso não foi considerado como roubo, pois o “naturalista” obteve autorização legal do governo brasileiro para exportar as sementes. 

II Exploração da Espinheira Santa

A Espinheira Santa é nativa da América do Sul, e no Brasil, pode ser encontrada entre os estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A planta foi matéria de vários estudos científicos, sendo muito conhecida na medicina popular brasileira por seu caráter terapêutico. Principalmente no que diz respeito aos males do aparelho digestivo, tal como a úlcera, e pode ser utilizada também como remédio antitumoral. 
Os benefícios da Espinheira Santa foram apontados a partir de uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina do Paraná, onde o professor Aluízio França obteve êxito no tratamento da úlcera. A UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) buscou deixar mais restrita a pesquisa sobre a erva, comandada pelo professor Elisaldo Carlini, desde 1980. Entretanto, no ano de 1977, a partir de dados publicados pela CEME (Central de Medicamentos), do Ministério da Saúde, no “Journal of Ethnopharmacology”, provocou interesse em uma indústria japonesa, Nippon Mektron, que patenteou o produto, antecipando-se assim da Universidade, que só entrou com solicitação de patenteamento em 1999. (UNIVERSIA, 2003).

III Exploração Cupuaçu

O cupuaçu é uma árvore que está na mesma família do Cacau, podendo medir até 20 metros de altura. Na Amazônia, a fruta foi uma fonte primária de sustento para os povos indígenas e animais. O Cupuaçu tornou-se conhecido por sua polpa cremosa e de sabor exótico, usada em todo Brasil para fazer sucos, geleias, tortas e sorvete. A exploração do Cupuaçu pode ser considerada a mais popular sobre a biopirataria. Foi registrada pela empresa japonesa Asahi Foods, na qual houve o registro da marca cupuaçu, e também solicitação para patentear os processos que envolviam a fabricação do chocolate, a partir do cupuaçu, denominado “cupulate”. Tal procedimento não considerou que o processo de fabricação já havia sido solicitado pela Embrapa, junto ao INPI, em 1996, desconsiderando totalmente o fato do uso tradicional pelos povos da Amazônia. (DURAN, 2011).

IV Exploração da Fauna

A Jararaca (Bothrops jararaca) A jararaca é muito comumente encontrada no sudeste do Brasil, ocupando territórios de planícies e florestas e nutrindo-se de pequenos roedores. O veneno desta jararaca é consideravelmente esfacelador e coagulante, porém um pesquisador brasileiro, chamado Sérgio Ferreira, professor da faculdade de medicina de Ribeirão Preto, encontrou nele uma substância para moderar a hipertensão, o Captopril. Porém, o professor não possuía recursos suficientes para desenvolver a pesquisa, sendo assim, aceitou então receber ajuda do laboratório Bristol-Myers Squibb, nos Estados Unidos, que registrou a substância contrapressão alta antes do brasileiro (autor da descoberta), gerando um lucro aproximado de US$ 2,5 bilhões de dólares ao laboratório, obrigando assim, com que o Brasil pague royaltes à empresa caso queira usufruir da substância. (GEACE, 2010).
A biopirataria pode ocorrer das mais diversas formas, como por exemplo, através de pesquisadores disfarçados de turistas, estudantes, falsos missionários ou ONGs de fachada. O “trabalho” torna-se ainda mais facilitado, pois estamos na era da biotecnologia, na qual tudo o que se precisa para reproduzir uma espécie, são algumas
Células. Estas por sua vez, podem ser facilmente ser levadas e dificilmente detectadas, por mecanismos de vigilância e segurança. 
Observando as riquezas existentes em nossos biomas, pode-se perceber os inúmeros motivos de nosso país ser tão atrativo para os países desenvolvidos. Uma vez que estes possuem condições, de recursos e incentivos para desenvolver novas tecnologias, vende-las e patenteá-las, corroborando a apropriação privada da nossa biodiversidade.
Infelizmente o Código Penal Brasileiro, nem a legislação penal que trata de crimes ambientais abordam essa questão específica, na qual não tipifica a biopirataria como crime. A Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, em seu art. 25, trata de crimes ambientais, porém a biopirataria não é considerada um crime ambiental. Vale ressaltar que havia um projeto no Congresso Nacional para a inserção da biopirataria como crime nesta mesma lei, na qual foi vetado.
Neste sentido, a proteção da Biodiversidade é emergencial tendo em vista informes no sentido de que a quase totalidade de investimentos na indústria farmacêutica concentra-se em poucos países detentores de capitais, infraestrutura e com matéria-prima formada predominantemente por recursos genéticos obtidos no Brasil.
 O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é legalmente responsável pela gestão do uso de quaisquer espécies com viabilidade econômica. Porém no que tange à Biopirataria, foi criada no IBAMA a Divisão de Controle da Fiscalização e Acesso ao Patrimônio Genético, na qual pretende-se que o desenvolvimento biotecnológico seja revertido em prol das populações tradicionais e indígenas, bem como, programas de incentivo ao combate da Biopirataria. Por outro lado, a Divisão de Propriedade Intelectual no Ministério das Relações Exteriores, atuante diretamente junto aos demais governos e empresas que patentearam produtos e contratam advogados numa tentativa de repatriar esses direitos. Destaca-se também o trabalho do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que em hipótese de envio de material para o exterior, impõe aos dirigentes das instituições brasileiras e estrangeiras firmarem “Termo de Compromisso: Exclusividade e Patente”, na qual compromete-se a utilização das amostras exclusivamente com finalidade de estudo. Portanto se a consultoria científica do CNPq considerar que a pesquisa impulsionará posterior bioprospecção, o projeto será enviado ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para a obtenção da respectiva autorização. 
Mesmo diante destas medidas preventivas citadas acima, as previdências, ainda são insuficientes e interessa apontar, todavia, a resistência dos países mais desenvolvidos. 
Pelas entrelinhas da obscuridade, podemos enxergar a biopirataria como uma “nova colonização” dos países desenvolvidos. Isto porque o Brasil ainda sofre com a carência de fiscalização, falta de conhecimento sobre a biodiversidade, a pouca quantidade de pesquisadores na área e ausência de investimentos em ciência e tecnologia, quando comparada aos países desenvolvidos.
Face a essa problemática que assola nosso país, destaca-se a necessidade de tutela jurídica sobre o crime de biopirataria, pois sem ela haverá diretamente e/ou indiretamente a violação de outros direitos. Sendo assim, tutelar o meio ambiente é não somente garantir a qualidade de vida em nosso planeta, mas garantir minimamente a justiça diante de nossas descobertas científicas e os nossos direitos sobre as mesmas.

* Bióloga
Especialista em Educação e Gestão Ambiental
Mestre em Biologia Geral/Bioprospecção

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